Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

30 agosto, 2011

Não falam porque é sua a quietude e o silêncio da tarde

Tantas vezes nos aconteu isto, meu amor. Pocurávamos os grandes espaços e abrigávamo-nos um no outro ou simplesmente olhávamos o ponto inexistente que era o nosso ainda inexistente mundo.

De frente para o horizonte, sabíamos que tínhamos a vida pela frente. Em silêncio, imóveis, perdidos dentro do imenso futuro que se abria, procurávamos o fim da tarde, sentíamos que a noitinha nos abrigava.

Éramos, então, jovens amantes. E ainda somos.


Há pouco, rente ao Tejo, de frente a Lisboa, uma luz fabulosa
Lisbon in blue

São assim os amantes
ao entrelaçarem as mãos

Imóveis como estátuas
olham muito ao longe

o mesmo ponto inexistente
Guardam nos corpos

a viscosidade, o odor, o calor
próprios dos recém-nascidos

Não falam porque é sua
a quietude e o silêncio

da tarde que chega ao fim
perto deles um roçagar de asas

De casa de seus pais
para onges terras

um dia foram levados


('São assim os amantes' de Rui Caeiro in 'O quarto azul e outros poemas')

Vanessa da Mata interpreta 'Eu sou neguinha?'

Uma jovem determinada com uma grande presença em palco, com uma voz versátil e cheia: Vanessa da Mata.

Aqui usa um belíssimo, belíssimo vestido que vale, só por si, o video.

A maquilhagem também está muito bem.



Eu tava encostado ali minha guitarra
num quadrado branco, vídeo papelão
eu era um enigma, uma interrogação
olha que coisa
mas que coisa à toa, boa, boa, boa, boa, boa
eu tava com graça...
tava por acaso ali, não era nada
bunda de mulata, muque de peão
tava em Madureira, tava na Bahia
no Beaubourg, no Bronx, no Brás
e eu, e eu, e eu, e eu
a me perguntar
eu sou neguinha?

era uma mensagem
lia uma mensagem
parece bobagem mas não era não
eu não decifrava, eu não conseguia
mas aquilo ia, e eu ia, e eu ia, e eu ia, e eu ia
eu me perguntava

era um gesto hippie, um desenho estranho
homens trabalhando, para e contramão
e era uma alegria, era uma esperança
era dança e dança ou não, ou não, ou não, ou não, ou não
tava perguntado:
eu sou neguinha?
eu sou neguinha?
sou neguinha.......
eu sou neguinha?
sou neguinha.......

eu tava rezando ali completamente
um crente, uma lente, era uma visão
totalmente terceiro sexo
totalmente terceiro mundo terceiro milênio
carne nua, nua, nua, nua, nua, nua
era tão gozado
era um trio elétrico, era fantasia
escola de samba na televisão
cruz no fim do túnel, beco sem saída
e eu era a saída, melodia, meio-dia, dia, dia, dia
era o que eu dizia:
eu sou neguinha?

mas via outras coisas: via o moço forte
e a mulher macia den'da escuridão
via o que é visível, via o que não via
e o que poesia e a profecia não vêem
mas vêem, vêem, vêem, vêem, vêem
é o que parecia
que as coisas conversam coisas surpreendentes
fatalmente erram, acham solução
e que o mesmo signo que eu tento ler e ser
é apenas um possível e o impossível
em mim, em mil, em mil, em mil, em mil
e a pergunta vinha:
eu sou neguinha?

(Letra de 'Eu sou neguinha?', desconheço o autor)

29 agosto, 2011

Há ainda ali um rosto muito belo, que a luz ilumina com o antigo ardor - é o rosto da minha mãe


Poderia dizer que o poema descreve a minha mãe mas não, não revejo a minha mãe nestas amorosas palavras de Eduardo Pitta.

A minha mãe não é assim. O rosto da minha mãe não é um mapa saqueado, não está coberto por uma teia, por uma finíssima máscara.

Não. A minha mãe não tem muitas rugas e é ainda uma bela mulher.

Também não posso dizer que a luz se reduziu para a banhar. Não. A minha mãe é uma mulher alegre, ri-se muito (apesar da vida que, tantas vezes, lhe pesa).

Olho para ela e por vezes reparo, com surpresa, que aparecem algumas manchas de idade nas suas mãos ou que os braços já não têm a firmeza que tinham antes. Mas isso não esbate a sua jovialidade de rapariga.

E os seus belos olhos azuis têm ainda alegria espontânea e o seu riso tem a frescura e inocência de sempre.

E tem a boa disposição de quem tem a vida pela frente.

Quando era jovem adolescente, louríssima, conheceu Sebastião da Gama que um dia lhe entregou um papelinho com um poema:

Os cabelos são de oiro
para que vejam bem
que o coração
é de oiro também.

Ela guardou o poema dentro dum livro e, anos depois, quando o procurou, já não o achou. Mas nunca se esqueceu dele e hoje, aqui, o volto a trazer à vida.


Há pouco, junto ao Tejo, bela Senhora
              
                                                                                                    A minha mãe

Houve ali um rosto
muito belo, mal disfarçado
na teia geométrica
de uma finíssima máscara.

Sulcos de um antigo
ardor.
Tranquilo e arbitrário
desapego.

A luz baixou tanto.
Aquele rosto é
um papa: um mapa
crivado de cidades saqueadas.


(Afectuoso poema de Eduardo Pita, dedicado a sua mãe, in Desobediência)

Rui Veloso interpreta O Prometido é Devido

Rui Veloso, uma boa pessoa, um nome grande da música portuguesa, volta aqui de novo.

Devo dizer que tenho um problema com ele: é que fisicamente está muito melhor agora que quando era mais novo. Por isso, faço aqui um varejo interminável a ver se o descubro como está agora e não com aquele ar de totozinho que tinha quando usava estes óculos de fundo de garrafa. Mas hoje não descobri e, portanto, cá está ele de novo, numa bela canção, numa bela interpretação mas uma pálida amostra do que é hoje.

Não interessa. Fechamos so olhos.


Naquele trilho secreto
Com palavras santo e senha
Eu fui língua e tu dialecto
Eu fui lume e tu foste lenha

Fomos guerras e alianças
Tratados de paz e péssangas
Fomos sardas pele e tranças
Popeline seda e ganga

Recordo aquele acordo
Bem claro e assumido
Eu trepava um eucalipto
E tu tiravas o vestido

Dessa vez tu não cumpriste
E faltaste ao prometido
Eu fiquei sentido e triste
Olha que isso não se faz

Disseste que se eu fosse audaz
Tu tiravas o vestido
O prometido é devido

Rompi eu as minhas calças
Esfolei mãos e joelhos
E tu reduziste o acordo
A um montão de cacos velhos

Eu que vinha de tão longe
(do outro lado da rua)
Fazia o que tu quisesses
Só para te poder ver nua

Quero já os almanaques
Do fantasma e do patinhas
Os falcões e os mandrakes
Tão cedo não terás novas minhas


(Letra de 'O prometido é devido', não sei de quem, mas provavelmente é do Carlos T)

28 agosto, 2011

Entraste numa tarde, por engano, a perguntar se eu era outra pessoa

São acasos felizes.

Uma pessoa cruza-se com outra.

Um olhar. Uma respiração. Um calor que se pressente. Um cheiro. Uma certa forma de andar. Um certo tom de voz.

Uma palavra, um sorriso.

Não é preciso mais para começar.

Mesmo que não se saiba ainda o nome.

Fim de tarde no Ginjal, mesmo rente ao Tejo, pequena rua de todos os amores

Nunca soube o teu nome. Entraste numa tarde,
por engano, a perguntar se eu era outra pessoa -
um sol que de repente acrescentava cal aos muros,
um incêndio capaz de devorar o coração do mundo.

Não te menti; levantei-me e fui levar-te à porta certa
como um veleiro arrasta os sonhos para o mar; mas,
antes de te deixar, disse-te ainda que nessa tarde
bem teria gostado de chamar-me outra coisa - ou
de ser gato, para poder ter mais do que uma vida.



('Nunca soube o teu nome' de Maria do Rosário Pedreira in 'Nenhum nome depois')

Vanessa da Mata e António Zambujo interpretam 'Minha herança: uma flor'

Dois jovens talentosos, vozes de mel, interpretações sempre tocantes - de um e outro lado do oceano, Vanessa da Mata e António Zambujo.

A gravação é péssima mas a qualidade da composição e da interpretação relevam-no.


Achei você no meu jardim
Entristecido
Coração partido
Bichinho arredio

Peguei você pra mim
Como a um bandido
Cheio de vícios
E fiz assim, fiz assim

Reguei com tanta paciência
Podei as dores, as mágoas, doenças
Que nem as folhas secas vão embora
Eu trabalhei

Fiz tudo, todo meu destino
Eu dividi, ensinei de pouquinho
Gostar de si, ter esperança e persistência
Sempre

A minha herança pra você
É uma flor com um sino, uma canção
Um sonho, nem uma arma ou uma pedra
Eu deixarei

A minha herança pra você
É o amor capaz de fazê-lo tranqüilo
Pleno, reconhecendo o mundo
O que há em si

E hoje nos lembramos
Sem nenhuma tristeza
Dos foras que a vida nos deu
Ela com certeza estava juntando
Você e eu
(2x)
Achei você no meu jardim


(Letra de 'Minha herança: uma flor', composição de Vanessa da Mata)

25 agosto, 2011

Assim que te despes as próprias cortinas ficam boquiabertas sobre a luz do dia

Peço-te que feches as cortinas. Maria Teresa diria que é para que a luz fique mais espessa. Tiro o vestido pela cabeça. Fico despida.

Olhas-me e queres ver-me melhor. Dizes que queres que a luz do dia me ilumine.

Abre, então, devagar, digo eu. E então abres um pouco - e as minhas pernas acendem-se.

Mais um pouco, digo. E tu abres - e o meu ventre acende-se.

Agora podes abrir mais. E os meus seios acendem-se também.

Agora vem, digo-te. E beijo-te.

A seguir corro de novo as cortinas.

Há pouco, nas Docas, junto ao Tejo, de frente para o Ginjal

Assim que te despes
as próprias cortinas
ficam boquiabertas
sobre a luz do dia

Os teus olhos pedem
mas a boca exige
que te inunde as pernas
toda a luz do dia

Até o teu sexo
que negro cintila
mais e mais desperta
para a luz do dia

E a noite percebe
ao ver-te despida
o grande mistério
que há na luz do dia


(Poema (XIII) de David Mourão-Ferreira in A arte de Amar)

Carlos Paredes interpreta Canto do Amanhecer

O genial mestre Carlos Paredes, uma pessoa que sempre pairou acima da mediania, interpreta, com a sua habitual entrega, o Canto do Amanhecer.

24 agosto, 2011

Um veleiro imprevisto, a contagem decrescente do fôlego, a proximidade, um fino crepúsculo

Acelera-se a pulsação, os sons quase desaparecem, só ouço o meu sangue a latejar, a luz quase desaparece: aproxima-se a hora de te rever.

Toda eu tremo, toda eu estremeço, as portas abrem-se e não és tu, ouço passos e ainda não são os teus, quase não respiro, suspensa da espera.

O dia está a chegar ao fim, imagino que estejas a caminho, imagino que também tu tremes, que também tu vens sem fôlego, espreito pela janela: é um imprevisto veleiro que aguarda não sei o quê.

E depois o ar rarefaz-se, o meu coração pára, deixo de ver, deixo de ouvir: é então que a porta se abre e, finalmente, és tu.

Meu amor.


Imprevisto e improvável pequeno veleiro no Tejo, há pouco ao pôr do sol
Lisboa, a Bela, espera, banhada a ouro

Um delirium tremens, o sublime estático
e visível, o espaço cada vez maior
entre as paredes, a escrita do mundo,
o sólido ar crescendo, o diferente azul
da noite, um pulso iluminado, uma quarta-feira
iridescente, a porta por onde se torna
a passar, uma venda onde os olhos
transbordam, um veleiro imprevisto,
a contagem decrescente do fôlego, a proximidade
em saltos sucessivos, um fino crepúsculo,
a neve que no corpo principia,

e depois disto, o contrário de tudo.


('E depois disto' de Pedro Mexia in Menos por Menos)

Joana Amendoeira interpreta Sopra o Vento

Joana Amendoeira é uma grande fadista, é daquelas novas vozes que revitalizou o género. Ela canta e nós sentimos que há aqui fado a correr nas veias.


Sopra o vento, sopra o vento,
Sopra alto o vento lá fora;
Mas também meu pensamento
Tem um vento que o devora.

Há uma íntima intenção
Que tumultua em meu ser
E faz do meu coração
O que um vento quer varrer;

Não sei se há ramos deitados
Abaixo no temporal,
Se pés do chão levantados
Num sopro onde tudo é igual.

Dos ramos que ali caíram
Sei só que há mágoas e dores
Destinadas a não ser
Mais que um desfolhar de flores.


(Letra de 'Sopra o vento' da autoria de Fernando Pessoa)

22 agosto, 2011

Duas árvores de avanço, uma corrida louca... e o teu coração na minha boca!

Que bom que é saber o que é o amor, que bom poder senti-lo sem palavras, uma aragem soprando no nosso rosto silencioso, ver uma gaivota que sobrevoa o rio e vem sobre nós para nos abençoar - digo eu e tu nem aí.

Que bom saber o que é o amor e saber traduzi-lo em palavras, olharmos o rio e deslizarmos junto com os navios que o atravessam, sentirmos a maresia - espera, digo eu, anda, dizes tu.

Que bom saber o que é o amor e andar porque queres que eu ande e eu quero estar parada ou esperares por mim quando queres andar e eu me deixo ficar a olhar o rio - todos os dias isto, todos os dias isto.

E a ternura e a malícia, a inocência e a paixão, a tolerância e a fúria, a vertigem de desafiar e o prazer de retroceder e isto e o contrário e a vontade de continuar assim vida fora, à tardinha, ao amanhecer, sob a luz, sob a chuva, à noite, de madrugada.

Nunca mais. Para sempre. Talvez. Quem sabe. Até amanhã. Todos os dias.


Casal há pouco, ao entardecer, no Ginjal (com parte do piso e do paredão arruinados em reparação), a Ponte 25 de Abril em fundo, sobre um Tejo tranquilo

(...)

Ganhámos juntos o que perdemos separados:
a luz incomparável, esta luz quase louca
da primavera, esta gaivota
caída dos ombros da luz,
e a leve, saborosa tristeza do entardecer,
como uma carta por abrir,
uma palavra por dizer…

Ganhámos juntos o que vamos perdendo
separados:
a alegria – inocente
cidade,
coração aberto pela manhã,
pequeno barco subindo
nitidamente o rio,

fumegando, fumando
com o seu ar importante de homenzinho…
E a ternura – beijo sobrevoando
o teu rosto fiel,
fogo intensamente verde sobre a terra,
intensamente verde nos teus olhos,
pequeno «nariz ordinário»
que entre os meus dedos protesta
e se debate…

                                                Duas árvores de avanço,
                                       uma corrida louca…
                                                            … e o teu coração na minha boca!


E o amor,
não o que destrói, o que não é amor,
não a fúria dos corpos quando trocam
desespero por desespero,
não a suprema tristeza de existir,
a obscena arte de viver,
a ciência de não dar e receber,
mas o amor que se traduz
pela bondade, a confiança,
a pureza, a fraternidade,
a força de viver, de triunfar da morte,
de triunfar da sorte,
a vertigem de conhecer
necessidade e liberdade!

 
(Excerto de 'Agora escrevo' magnífico poema de Alexandre O'Neill in 'Tomai lá do O'Neill!')


Fez ontem 25 anos que Alexandre O'Neill foi pregar para outra freguesia mas a sua voz continua acutilante entre nós

Marco Rodrigues e Mafalda Arnauth interpretam Valsa das Paixões

Dois nomes grandes do novo fado, dois jovens num belíssimo caso de empatia, cantando em dueto  um fado que apela à sedução, Valsa das Paixões.

Um boa companhia.



Não sei se me dás o prazer desta dança
Não sei se me sinto mais velho, criança
Não tenho par, mas nos teus olhos percebo um convite para eu avançar

Por entre o som da minha voz e da tua, a valsa vai seguindo rua após rua
Eu rodo no ar e sinto-me um rei a dançar como jamais dancei

Dançam as paixões
Dança o tempo
Dançam as canções
Dança o vento

Dançar é chamar corpo ao pensamento
É ir atrás do mar quando o mar vem atrás de nós
Dançam corações sem abrigo
Mas só tu danças comigo

A lua vai fazer-te uma serenata
( dançam as paixões)
E tu vais descobrir a palavra exacta
(dançam as canções)
O teu prazer, a melodia que dentro de mim já começa a nascer

A roupa que deixamos no chão do quarto
Os beijos gratos que contigo reparto
A noite, o luar, o sol da manhã e lá fora uma valsa a tocar

Dançam as paixões
(dançam as paixões)
Dança o tempo
(dança o tempo)

Dançam as canções
(dançam as canções)
Dança o vento
(dança o vento)

Dançar é chamar corpo ao pensamento
É ir atrás do mar quando o mar vem atrás de nós

Dançam corações sem abrigo
Mas só tu danças comigo

Dançam as paixões
(dançam as paixões)
Dançam as canções
(E a valsa vai seguindo rua após rua)

Dançam as paixões

(Letra de Valsa das Paixões da autoria de Tiago Torres da Silva)

21 agosto, 2011

Meu rosto, no teu rosto de horizontes, meu corpo, no teu corpo, a flutuar

Ouço um bater de asas mas parece ser tão longe.

Onde está a ave que assim bate as asas? Aqui ou do outro lado do mar? E está agora mesmo ou é uma recordação do passado? Ou não, o que ouço passa-se num outro tempo, num outro espaço sem limites, sem interditos?

Tu que esperas por mim, estás onde?

És este que está aqui ao meu lado, terno amante, ou és o que está do outo lado do mar, viajante imaginário?

Tu que agora sorris ao ler estas palavras, és quem? Um romântico amante que me beija de facto ou um viajante eterno que me beija em sonhos?

Fim de dia sobre o Tejo

Teu rosto, no meu rosto, descansado.
Meu corpo, no teu corpo, adormecido.
Bater de asas, tão longe, noutro tempo,
sem relógio nem espaço proibido.

Oh, que atónitos olhos nos contemplam,
nos sorriem, nos dizem: Sossegai!
Românticos amantes, viajantes eternos,
olham por nós na hora que se esvai!

Que música de prados e de fontes!
Que riso de águas vem para nos levar?
Meu rosto, no teu rosto de horizontes,
meu corpo, no teu corpo, a flutuar.


('Poema de amor', de Natércia Freire in '366 poemas que falam de amor')

Cuca Roseta interpreta "Amor Sou Tua" acompanhada à guitarra por Carlos Gonçalves

Pela quarta vez, a fadista de mão cheia Cuca Roseta.

Aqui interpretando um fado antes cantado por Amália Rodrigues no ambiente de casa de fado, Cuca Roseta, uma jovem do nosso tempo, determinada, que sabe muito bem ao que anda, inteligente e que, sobretudo, tem uma verdadeira alma de fadista. Bom momento.



Se nem tudo contigo são alegrias serenas
Se me dás tanta hora amargurada
Se padeço e te digo em certos dias
Que me quero ir embora por fim cansada
Se me dói o ciúme, se me põe louca de penas

Se anda tanto queixume na minha boca
Meu amor, minha vida, são queixas somente
De alguém que sente que anda sentida
O que digo não faço, o amor continua,
Sei que não posso, amor sou tua

(Letra de 'Amor sou tua' da autoria de Guilherme Pereira Rosa; a música é de Frederico Valério)

19 agosto, 2011

Histórias de Nós - as minhas boas vindas a um novo blogue

A minha querida M., uma contadora de histórias, resolveu - finalmente! - ter o seu próprio blogue.


A ti, minha querida, que sempre soubeste encantar quem te ouvia com as histórias que contavas de improviso, desejo que gostes desta experiência e que venhas a ter leitores atentos.

Aos meus queridos leitores, convido-os a visitar este novo blogue e gostaria que o acarinhassem, como se acarinha uma criança acabada de nascer.

18 agosto, 2011

Agradeço à lentidão este exacto instante de me sentir exacta

Aqui o silêncio está cheio de todos os sons: um barco que passa, uma gaivora que voa baixo, um pássaro discreto.

Aqui, quem passa, não incomoda. O amor é uma coisa que se respeita.

E de frente para Lisboa ou rente ao Tejo ou simplesmente numa sombra cúmplice, os corpos alinham-se ou desalinham-se consoante o calor que se expande, talvez a partir das pernas.

No Jardim do Ginjal, sobre o Tejo, de frente para Lisboa, a Bela

A lentidão
é o ritmo necessário para escutar
o rumorejar do silêncio enrolando-se
no peito antes de entrar
no vazio

e para o sentir expandindo-se
em calor no corpo todo

enquanto o torso se ergue
paralelo à perna direita
e a esquerda se subtrai ao chão

agradeço à lentidão
este exacto instante
de me sentir exacta

alinhada com outro exacto corpo
e outro mais exacto ainda
do qual todos somos desdobramentos
exactos


(Poema de Ana Viana in 'A face oculta do vento', edição Indícios de Oiro)

Maria Bethania interpreta 'Jeito estúpido de te amar'

Nossa Senhora Maria Bethania, a divina.


Eu sei que eu tenho um jeito
Meio estúpido de ser
E de dizer coisas que podem magoar e te ofender
Mas cada um tem o seu jeito
Todo próprio de amar e de se defender
Você me acusa e só me preocupa
Agrava mais e mais a minha culpa
Eu faço, e desfaço, contrafeito
O meu defeito é te amar demais
Palavras são palavras
E a gente nem percebe o que disse sem querer
E o que deixou pra depois
Mais o importante é perceber
Que a nossa vida em comum
Depende só e unicamente de nós dois
Eu tento achar um jeito de explicar
Você bem que podia me aceitar
Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser
Mas é assim que eu sei te amar


(Letra de 'Jeito estúpido de te amar', composição de Isolda e Milton Carlos)

17 agosto, 2011

Procuravam então e perdiam com igual generosidade a única inocência de não ter um passado

Que todos quantos têm a inocência no olhar saibam amar tanto quando desejam.

Que nenhuma censura interna ou social tolha os movimentos de todos quantos queiram abraçar-se e beijar-se sob às árvores da beira-mar.

Que todos quantos tenham todo o tempo do mundo ou todos quantos tenham já pouco tempo, saibam ouvir o rumor do mar, sentir a aragem sob as árvores, saibam fazer de um simples recanto a sua casa, das ramagens as cortinas, da relva a sua cama.

Que a luz os ilumine, que a penumbra os proteja.

Jardim do Ginjal, à beira Tejo

Por entre as árvores da beira-rio
o relevo do seu segredo brando
um ramo   um braço de vento acenam
à peregrina luz

Somos tão inocentes quando
ainda há fins escolares para celebrar

Abraçados pelo bosque caminharam
até à enseada
procuravam então e perdiam
com igual generosidade
a única inocência de não ter um passado
quando molhados sobre a magem
de repente depararam com a maior imensidão
do tempo


(Silvestre de José Tolentino de Mendonça in A noite abre meus olhos)

Carminho interpreta Senhora da Nazaré

Oriunda de uma família de fadistas, Carminho, uma jovem bem do nosso tempo, solidária, aventureira, tem fado no sangue.

Aqui a temos, um look contemporâneo e um fado bem tradicional. Muito bem.


Senhora da Nazaré, rogai por mim,
Também sou um pescador que anda no mar.
Ao largo da vida aproei nas vagas sem fim,
Vi o meu barquito de sonhos sempre a naufragar.
As minhas redes lancei com confiança,
Colhi só desilusões num mar ruim.
Perdi o leme da esperança,
Eu não sei remar assim.
Senhora da Nazaré, rogai por mim.


(Letra de 'Senhora da Nazaré', composição de João Nobre)

15 agosto, 2011

Vinham rosas na bruma florescida rodear no teu nome a sua ausência

De uma leitora que gosta de escrever e que não se atreveu ainda a divulgar o que escreve por conta própria, M., aqui vos deixo, com a sua permissão, um texto que me fez chegar por mail. Acho que conjuga bem com o poema abaixo e com a foto que escolhi para ilustrar:


"Hoje dei por mim a pensar em ti.

Quer dizer, nao é que tenha sido só hoje, como tu bem sabes, porque eu há muito tempo que penso muito em ti, de muitas maneiras diferentes e em muitas horas não contadas dos dias que correm devagar.

Mas hoje dei por mim a pensar em ti de forma diferente, de forma mais pensada e calada.

Nao te assustes com a palavra «amo-te». Ela pode não ser assim tão séria, nem tão formal.

É que eu amo-te sabes, neste meu amor fácil e sem prendura, deste jeito impensado e consagrado em todas as tuas palavras no meu ouvido, em todos os teus gestos em mim.

Amo-te assim sem esse peso todo que a todos deixa consternados e ensimesmados, como um pesadelo bem carregado a pairar e a acompanhar-nos todos os dias destas vidas.

É que o meu amor é assim fácil, sabes, assim puro, sabes, uma coisa só assim de mim para ti, leve e desprendida como todo o amor devia ser.

Eu amo-te nesta minha forma de te amar, com este amor que é só teu, com esta ligeireza que é só minha para ti.

Por isso não te assustes com o que te escrevo ou digo, porque eu te quero assim só por querer, só por me quereres, sem laços a prenderem-nos, sem vontades de mais. Porque te quero amar só assim, deste jeito fácil e esquecido. 

É que assim não custa, sabes, assim doem menos as ausências e as solidões. Assim não se pensa nem sente tanto. Porque assim é só assim, à flor da pele e sem medos de mais.

 
Amor I Love You


M."

Ao cair da noite, no Ginjal, mesmo em cima do Tejo

Vinham rosas na bruma florescida
rodear no teu nome a sua ausência.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
embruma a brisa em que se aviva a rosa.


(Poema de Fernando Echevarría in Poemas de Amor, antologia poética organizada por Inês Pedrosa)

14 agosto, 2011

João Gilberto e Caetano Veloso interpretam Garota de Ipanema

Em tempos de calor e de praia, uma canção intemporal, uma canção património da humanidade: Garota de Ipanema, composta por dois mestres, Tom Jobim e Vinicius de Morais.

Aqui a Garota de Ipanema desliza por conta de outros dois mestres: João Gilberto e Caetano Veloso.

Saravá!



Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
No doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor


(Letra de 'Garota de Ipanema', composição de Antônio Carlos Jobim / Viní­cius de Moraes)

12 agosto, 2011

Ficámos ali em silêncio, numa intimidade como nunca antes

A intimidade é esta empatia, é uma voz em uníssono dentro da pele, é uma amizade cúmplice.

Palavras ou silêncio, tanto faz. Sexo, tanto faz.

Ao fim do dia, em Belém, sobre o Tejo

Encontrámo-nos
no lugar combinado
dentro do osso
da minha perna

e ficámos ali
as duas
em silêncio

numa intimidade
como nunca antes


(Poema de Ana Viana in 'A face oculta do vento')

Mariza interpreta Oiça lá ó Senhor Vinho

Em tempo de festas de verão em todas as aldeias e vilas portuguesas, é tempo de música popular, de arraiais, de comes e bebes.

Nada mais apropriado (... o Toni Carreira e o Quim Barreiros que me perdoem... ) que uma música dedicada ao senhor vinho.

Já cantada por Amália, aqui na voz alegre de Mariza.



Oiça lá ó senhor vinho,
vai responder-me, mas com franqueza:
porque é que tira toda a firmeza
a quem encontra no seu caminho?

Lá por beber um copinho a mais
até pessoas pacatas,
amigo vinho, em desalinho
vossa mercê faz andar de gatas!

É mau procedimento
e há intenção naquilo que faz.
Entra-se em desequilíbrio,
não há equilíbrio que seja capaz.

As leis da Física falham
e a vertical de qualquer lugar
oscila sem se deter
e deixa de ser perpendicular.

"Eu já fui", responde o vinho,
"A folha solta brincara ao vento,
fui raio de sol no firmamento
que trouxe a uva, doce carinho.

Ainda guardo o calor do sol
e assim eu até dou vida,
aumento o valor seja de quem for
na boa conta, peso e medida.

E só faço mal a quem
me julga ninguém
e faz pouco de mim.
Quem me trata como água
é ofensa, pago-a!
Eu cá sou assim."

Vossa mercê tem razão
e é ingratidão
falar mal do vinho.
E a provar o que digo
vamos, meu amigo,
a mais um copinho!


(Letra de 'Ouça lá ó Senhor Vinho, composição de Alberto Janes)

10 agosto, 2011

Espero tirar de mim o mais veloz apaixonamento e a inteligência mais pura

Sim, é verdade: percorro o campo e eu sou as árvores, eu sou as folhas que nascem, que voam, que caem, que nascem de novo.

É verdade, sim, que no meio da noite vejo o sol, e que, quando penso em ti, enfeito de raios o céu, tudo para que tenhamos sempre uma luz que nos guie, que nos ilumine.

Sim, meu amor, é verdade que não sei se é loucura, se é inocência, se é apenas um apaixonamento puro: sei apenas que quero afastar de ti a melancolia, quero depositar em ti as flores que nascem de mim, quero construir uma cidade que nós dois possamos habitar com a doçura do nosso amor.

Há pouco no Ginjal, rapariga junto ao Tejo vira as costas a Lisboa

(A Gare de Sta Apolónia, belo edifício azul celeste, logo ali)

Espero que o amor enleve a minha melancolia.
E flores sazonadas estalem e apodreçam
docemente no ar.
E a suavidade e a loucura parem em mim,
e depois o mundo tenha cidades antigas
que ardam na treva sua inocência lenta
e sangrenta.
Espero tirar de mim o mais veloz
apaixonamento e a inteligência mais pura.
- Porque as mulheres pensarão folhas e folhas
no campo.
Pensarão na noite molhada,
no dia luzente cheio de raios.


(Excerto de 'Ou o poema contínuo' de Herberto Helder - obra maior da Língua Portuguesa)

Ala dos Namorados interpretam Loucos de Lisboa

Por vezes reunem-se uns amigos e há uma conjunção feliz de valores. Foi o caso dos Ala dos Namorados. As composições eram inspiradas e a interpretação sempre de grande qualidade. Aqui temos o Nuno Guerreiro cuja voz se encaixa na perfeição nesta composição.



Parava no café quando eu lá estava
Na voz tinha o talento dos pedintes
Entre um cigarro e outro lá cravava
a bica, ao melhor dos seus ouvintes

As mãos e o olhar da mesma cor
Cinzenta como a roupa que trazia
Um gesto que podia ser de amor
Sorria, e ao partir agradecia

[Refrão]
São os loucos de Lisboa
Que nos fazem duvidar
Que a Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar

Um dia numa sala do quarteto
Passou um filme lá do hospital
Onde o esquecido filmado no gueto
Entrava como artista principal

Compramos a entrada p'ra sessão
Pra ver tal personagem no écran
O rosto maltratado era a razão
De ele não aparecer pela manhã

[refrão]

Mudamos muita vez de calendário
Como o café mudou de freguesia
Deixamos de tributo a quem lá pára
Um louco a fazer-lhe companhia

E sempre a mesma posse o mesmo olhar
De quem não mede os dias que vagueam
Sentado la continua a cravar
Beijinhos as meninas que passeiam.

(Letra de 'Loucos de Lisboa', composição de João Gil e João Monge)

Nenhum deus se lembrou de aparecer esta tarde

Há dias assim, de calor sufocante, sem história, dias que os deuses evitam.

Apenas os pássaros na relva, neste jardim mágico, trazem algum encanto a um dia vulgar.

Pássaro (melro?) no Jardim do Ginjal

Entardecer entre animais pequeninos,
pássaros que debicam a relva do jardim,
esquilos que sobem e descem das árvores,
eu próprio, no meio dos jornais.

Nenhum deus se lembrou de aparecer esta tarde:
e foi melhor assim.

('À tarde, em casa' de Luís Filipe Castro Mendes in 'Lendas da Índia')

09 agosto, 2011

Vitorino interpreta 'Traz outro amigo também'

Uma canção muito especial, um verdadeiro hino à amizade. Aqui temos Vitorino a homenagear o seu grande amigo, o autor desta maravilhosa canção, José Afonso.

Na introdução deste pequeno filme, podemos ver o Zeca e não só (Otelo, por exemplo) a falarem sobre o dia 25 de Abril, o dia da Revolução dos Cravos, o dia da Liberdade. No início ainda se ouve o Grândola.


Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também


(Letra de 'Traz outro amigo também', composição de Zeca Afonso)

08 agosto, 2011

É quando estás de joelhos que és toda bicho da Terra

Para ti sou tudo isso, bicho que vem do interior da terra, fruto que nasce da árvore, sou flor selvagem, sou seiva, sou folha, sou raiz, para ti eu sou a própria terra, para ti e contigo eu sou a continuação da vida.

Em Belém, à tardinha, jovem ajeita-se para ficar bem na foto que o seu amor lhe tira

É quando estás de joelhos
que és toda bicho da Terra
toda fulgente de pêlos
toda brotada de trevas
toda pesada nos beiços
de um barro que nunca seca
nem no cântico dos seios
nem no soluço das pernas
toda raízes nos dedos
nas unhas toda silvestre
nos olhos toda nascente
no ventre toda floresta
em tudo toda segredo
se de joelhos me entregas,
sempre que estás de joelhos,
todos os frutos da Terra.


(Poema (XIV) de David Mourão-Ferreira in 'A arte de amar')

Fado Coimbra na Serenata Monumental da Queima das Fitas

Fado de Coimbra, o fado dos estudantes, da saudade, dos amores adolescentes, da juventude que fica nos bancos da universiade.

Aqui um momento de pura emoção. A estudantina, a capa e batina, as lágrimas: a serenata tradicional que embala os corações.

07 agosto, 2011

Puseram-se a contar pelos dedos os barcos que faltariam para chegar o verão

Junto ao rio, os casais abraçam-se e beijam-se como se estivessem sozinhos no mundo.

Não há multidão em volta, barcos de todo o mundo, não há nada que os distraia um do outro.

Não há casa mais aconchegante que um sítio assim, sobre o rio, rodeados de azul, um sítio onde se possam sentar, alheados dos outros, entregues a si próprios, onde os beijos têm o sabor da maresia.

Sabem que é ali que se vão dizer as palavras mais amorosas e passar dos melhores momentos da sua vida, ali nada de mau lhes poderá acontecer.



Sentaram-se na areia e descalçaram os sapatos.
Puseram-se a contar pelos dedos os barcos
que faltariam para chegar o verão.

Nenhum deles falava. Tinham passado juntos
algumas noites; num quarto sem vista. E, embora
julgassem o contrário, não conheciam um do outro
muito mais do que isso.

Estavam ali sentados para ver se acontecia alguma coisa.

No verão
alguém viria forçosamente buscá-los.


(Poema de Maria do Rosário Pedreira, in “A casa e o cheiro dos livros”)

Maria Bethania e Rita Lee interpretam Baila Comigo

Se há coisa contagiante são os momentos de pura empatia, de pura fruição partilhada. É um desses momentos que acontece aqui com two great ladies: Rita Lee e Maria Bethania, duas mulheres por quem o tempo não passa  - ou melhor, a quem o tempo só engrandece.


Se Deus quiser
Um dia eu quero ser índio
Viver pelado
Pintado de verde
Num eterno domingo
Ser um bicho preguiça
Espantar turista
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Sol!...

Se Deus quiser
Um dia acabo voando
Tão banal assim
Como um pardal
Meio de contrabando
Desviar do estilingue
Deixar que me xingue
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Banho de sol!...

Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Ai!
Baila Comigo!
Ah! Ah! Uh! Uh!
Como se baila na tribo
Oh! Oh! Baila ba, ba
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo...

Se Deus quiser
Um dia eu viro semente
E quando a chuva
Molhar o jardim
Ah! Eu fico contente
E na primavera
Vou brotar na terra
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Sol!...

Se Deus quiser
Um dia eu morro bem velha
Na hora "H"
Quando a bomba estourar
Quero ver da janela
E entrar no pacote
De camarote...

E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Banho de sol!...
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Uh! Uh! Uh!
Baila ba, ba
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Oh!
Baila Comigo!
Ah! Ah! Uh! Uh!
Como se baila na tribo
Baila ba, ba
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Ai!...
Sol! Sol! Sol!...
E tomar banho de sol
Banho de sol!
Banho de sol!
Banho de sol!...
Ah!
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila!
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Ai!
Ai! Ai! Ai! Ai!
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
Baila ba, ba
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Ai!
Baila Comigo!
Como se baila na tribo
(Que loucura!)
Baila ba, ba
Baila Comigo!
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Ai!...
Lá no meu esconderijo
Ai! Ai! Ai!...


(Letra de 'Baila comigo', composição de Rita Lee)

04 agosto, 2011

E ao fim do meu dia a matéria de que se faz a minha vida é de novo abandonada

Aqui, todas as noites, em silêncio, sento-me, com uma pequena luz, e é a minha mais intrínseca matéria que escolhe os poemas, as imagens, os sons, com que combato a banalidade dos dias.

Aqui, a ver o rio que se enfeita de luzes longínquas, apago a minha luz e preparo-me para a vida que está prestes a principiar de novo.

Há pouco no Ginjal, homem encara o Tejo com a Torre de Belém em fundo

E ao fim do meu dia
a matéria de que se faz a minha vida
de novo abandonada
de novo de novo abandonada
pergunta-me silenciosa
se ao apagar da luz
a vida terá princípio.


(Poema (23) de Pedro Tamen in 'O livro do sapateiro')

Maria Joao Pires interpreta Chopin, Fantasia op.49

Era Maria João Pires ainda uma jovem mulher, cheia de ilusões que a vida se encarregaria de frustrar.

Aqui em Chopin, interpretado com a emoção que só ela sabe.

03 agosto, 2011

Tenho pena das palmeiras: frente ao peso do mundo são orgulhosamente lugar de amor

Penso no teu nome.

Nos meus lábios tenho o teu nome, não os teus beijos.

É noite, estou envolta em silêncio, o meu coração canta uma melodia antiga, um cantus firmus.

Sei que, quando o vento levar até ti este cântigo, virás.

Por isso, à tardinha, sento-me aqui à beira do rio, junto a esta palmeira. Aqui nos encontrávamos.

Aqui sempre nos encontraremos, orgulhosamente ao sol, frente ao peso do mundo.



O vento sacode as palmeiras.
Não tardará a chuva.
Tem chovido tanto nos meus versos
que a chuva se tornou insuportável.

Apesar disso, os pássaros cantam.
São os melros de Messiaen.
Mesmo envelhecido
também o coração canta.

Acode-me aos lábios um nome.
É de noite: quando
a música cessa, o silêncio
como estrela brilha na boca.

Tenho pena das palmeiras
à chuva noite e dia, ao vento, ao sol.
Frente ao peso do mundo
são orgulhosamente lugar de amor.


('Cantus Firmus' de Eugénio de Andrade in 'Os lugares do Lume)

Caetano Veloso & Maria Gadu interpretam Leãozinho

Um clássico pelo seu autor e pela menina do momento: Caetano Veloso e Maria Gadu.

Depois da concentração de caranguejos, entrámos agora no período dos leõzinhos e aos meus três leões queridos, eu dedico este post.


Gosto muito de te ver, leãozinho
Caminhando sob o sol
Gosto muito de você, leãozinho

Para desentristecer, leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho

Um filhote de leão raio da manhã;
Arrastando o meu olhar como um ímã...
O meu coração é o sol, pai de toda cor;
Quando ele lhe doura a pele ao léu...

Gosto de te ver ao sol, leãozinho
De te ver entrar no mar
Tua pele, tua luz, tua juba

Gosto de ficar ao sol, leãozinho
De molhar minha juba
De estar perto de você e entrar numa

(Letra de Leãozinho, composição de Caetano Veloso)

02 agosto, 2011

Entrego-te as palavras mais brandas que entre os meus dedos construí

De pequenas coisas fiz uma casa:

a fruta, as fotografias, os quadros, os livros, a luz,

as palavras, que, a dois, fomos dispondo nos recantos, na mesa, na cama, na nossa vida,

as pequenas histórias que foram acontecendo e que, entretecidas, formam a nossa história, a nossa comum memória.

Meu amor.

Há pouco, à tardinha, sobre o Tejo, vendo Lisboa

Entrego-te as palavras mais brandas
que entre os meus dedos construí
para alimentar de ti os recantos da casa
invadindo o coração da noite

entrego-te as palavras com a redonda luz
das maçãs sobre a mesa      e o rumor da água
rasgando o caminho da paixão
em horas que já não conseguimos      sem ajuda
recordar
mas que habitam a mais frágil memória de nós próprios

palavras jorrando dos meus olhos
invadindo-te o sono     e tropeçando
nas esquinas das frases que decoro
ao longo dos veios da tua pele

e a verdade é que nunca terei outra história
para além da que nos aconteceu
e que ficamos à espera de um dia perceber melhor
porque nunca ninguém se prepara convenientemente
para a chegada do amor
e ele é sempre um convidado estranho
sentado em silêncio na penumbra da sala
olhando os quadros     o chão      o tecto

como um velho parente da província
com medo de dizer o que não deve


(Poema (10) de Alice Vieira in 'Dois corpos tombando na água')

Maria João & Mário Laginha interpretam Cair do Céu

Uma fantástica e inspirada dupla (musical e pessoal) que infelizmente se desfez, aqui numa carinhosa interpretação conjunta. Maria João e Mário Laginha, uma voz e umas mãos que se destacam da normalidade.


NDZIWA HEMATIL WENI
loko ndzi zetemuka
he matilweni
ndzi txukumetele a cometa
i tava paraketa langa

psi ngetanu
ndzi vekele thlavi
laku phati phati
psanga mubedo wa mati ya ku hisa
a hansi ka minenge yanga
kuva ndzi tilata

psi ngetanu
nzi txukumetele a djambu
psanga balão laku phatima
livaninga psanga dzilo ni gole
ku zetemuka kwanga
he matilweni.

__________

se eu escorregar
céu abaixo
atiras-me um cometa
para me paraquedear
ou então
põe-me uma nuvem
branca e escura
como uma cama de água quente
embaixinho dos meus pés
para eu me deitar
ou então
joga-me o sol
como um balão brilhante
iluminando
a fogo e ouro
o meu escorrega
céu abaixo

(Letra de 'Cair do céu')

01 agosto, 2011

os olhos cerro para acender neles altas lembranças, delírios que adivinho

Por ti designada Artemes, a esplêndida arqueira, por ti amada e jamais esquecida, de ti a eterna e nunca lograda namorada,

o torso, os cabelos, os seios, o ventre, as mãos

o retrato que não conseguias destruir

De ti me afastei num espasmo de onda

e nunca mais voltei.


Há pouco, em Cacilhas, mesmo em cima do Tejo


Que evidência murmura o gorgolejo
da água em teu corpo!:
na curva da nuca para os ombros
sua língua derrama-se,
tarda no enleio de uma cintilação
e espuma até à concha de tua mão que a espera,
a colhe e torna afago
do peito que se arrepia e inturgesce.

Pausa breve esse arpejo,
tão ténue que teus dedos
filtram quase prazer na tepidez macia:
sua avidez flui, a tentear
o mais secreto de ti, mais desejado.

Calado o jorro que te fez despir
e te vestiu, diáfano,
querendo eu ser sua matéria,
concebo-te como ninfa de uma fonte
ao modelar-te com o que de ti lembro
e a secura cujo ímpeto em mim cresce
até abrir-se numa espera cálida.

A parede que te raptou e veda
é incitante distância, tão delgada
que oiço teu fôlego, tanto
que antecipo a meu lado tua graça,
mais agressiva pelo rubor com que arde;

os olhos cerro para acender neles
altas lembranças, delírios que adivinho
ao encaminhar-te para mim num espasmo de onda.


(Belo, belo, belíssimo poema (13) de José Bento in Sítios)

Céu interpreta Rainha

Esta miúda, para além de beleza, tem presença, tem força, tem alegria e tem jazz no corpo.

Céu, aqui no Open 2010 Stuttgart.


Dê água pra Ela beber
Dê roupa pra Ela vestir
Saúde pra dar e vender
Dê paz pra Ela descansar
Adubo pra Ela crescer
Dê rosas pra Ela enfeitar
África,
Cadê
Seu trono de Rainha
Cadê
Dona da Realeza
Cadê
Mãe da matéria-prima
Cadê
Vai levar a vida inteira pra lhe agradecer
África,
Cadê
Seu trono de Rainha
Cadê
Dona da Realeza
Cadê
Mãe da matéria-prima
Cadê
vai levar a vida inteira pra lhe agradecer


(Letra de Rainha)