Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

31 julho, 2011

Quero fazer a queima das sombras que me atam aos dias longos do dever

Agarrar a idade, agarrar o dia, carpe diem, seize the day, não desperdiçar um momento, beber até à última gota.

E deixar o corpo livre para ir à sua vida, deixar para trás quem puxa para trás, e a carruagem passará livre para procurar o seu destino.

Motards no Ginjal, no momento em que cacilheiro se faz ao Tejo, tapando momentanemente parte de Lisboa

Quero fazer a queima
das sombras que me atam
aos dias longos do dever
ausentar o corpo, isto é
ser indiferente a latidos
agarrar a idade.

Vão à vida porque destoam
amigos que cuidava
na exigênca dos passos
a ajustar ao caminho
e fico liberto para abraçar
adversidades.


('Agarrar a idade' de Emerenciano in 'Ir & Vir, palavras e imagens')

OqueStrada interpretam Qualquer Coisa Me Anima

Uma banda que gosta de interpretar música popular, transmitindo a alegria e leveza dos bailes populares.

Aqui temos um fado tradicional, interpretado por muitos fadistas vadios. Vejo-o referenciado na internet como Fado CUF e não sei - mas gostava de saber - o que significa.

Numa noite de verão sabe bem ouvir esta bela letra, com uma música aqui mais picada do que no original, garbosamente interpretada pelos Oquestrada.


 Em ti há qualquer coisa que me anima,
Em ti há qualquer coisa que me transcende,
Que me queima as palavras, que não rima,
Em ti há qualquer coisa que me prende,
Que me queima as palavras, que não rima
Em ti há qualquer coisa que me prende!

É qualquer coisa imensa que vem de cima
E desce sobre mim, quase me ofende
Meus sentidos domina e desanima
Mas a minha vontade não se rende
Meus sentidos domina e desanima
Mas a minha vontade não se rende

A vontade é de ferro no meu peito
Mais feroz que a ânsia da saudade
Mais pura do que o olhar com que te enfeito
Mais pura do que a força da verdade, é
Mais pura do que o olhar com que te enfeito
Mais pura do que a força da verdade!

E se a minha vontade me seduz
É maior do que o orgulho e que a verdade
Só ela é que me acalma e te reduz
Só ela me transporta à realidade
Só ela é que me acalma e te reduz
Só ela me transporta à realidade
 
(Letra de 'Qualquer coisa me anima' da autoria de Maria João Dâmaso(?))

30 julho, 2011

Temos sobre os outros casais porventura uma vantagem: cremos nas mentiras

Não, nunca invocámos mentiras.

Pelo contrário: correndo o risco de nos magoarmos, sempre olhámos de frente a verdade.

Dentro do quarto, da cama ou dentro de nós sempre olhámos a vida de frente.

No Ginjal, ao fim da tarde, casal abraçado

Temos sobre os outros casais porventura
uma vantagem: cremos nas mentiras
que inventamos e a todas convocamos

para dentro do quarto ou antes para
dentro da cama junto às zonas
mais recônditas   mais erógenas do corpo


(Poema de Rui Caeiro in 'O quarto azul e outros poemas')

28 julho, 2011

Ponho um beijo demorado no topo do teu joelho, desço-te a perna

O joelho pode ser o começo e, depois do começo, vários caminhos se podem prosseguir.

Olho a fotografia que fiz num passeio ao Ginjal e vejo a ternura do beijo, o carinho do envolvimento, todo ele abraços, uma cerzimento perfeito de braços e mãos e pernas, a entrega nos gestos, e penso que esta é uma etapa indispensável.

Depois, então, que se siga o roteiro da Maria Teresa Horta.

No farol de Cacilhas, casal maravilhosamente apaixonado

Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo

Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento

Volto então ao teu
joelho
entreabrindo-te as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.


('Joelho' de Maria Teresa Horta in '366 poemas que falam de amor', antologia organizada por Vasco Graça Moura)

27 julho, 2011

O amor aumenta com o amarelecimento do linho, maior quietude rodeia agora a casa lunar

Talvez seja verdade. Talvez que, com os anos, o amor aumente.

Talvez não: é certo.

Melhor: Com os anos, aumenta a capacidade de amar.

Com os anos, percebe-se melhor a efemeridade das coisas, a transitoriedade de todos de nós. Com os anos, os anos que nos restam vão escasseando, há que não se ser mesquinho no seu uso.

E, se o amor se torna mais tolerante, torna-se também mais urgente.

Quanto ao desejo: esse é sempre o mesmo.

Em Cacilhas, casal conversa sobre o Tejo, mesmo de frente para Lisboa

o amor aumenta com o amarelecimento do linho
maior quietude rodeia agora a casa lunar
soçobram do fundo dos espelhos submersos os instrumentos
de muitos e delicados trabalhos
repousam sobre a erva para sempre

só o desejo dalguma eternidade despertaria o terno arado
mas a vida tropeça nos húmidos orgãos da terra
as selvagens flores afligir-te-ão o olhar
por isso inventaremos o necessário ciclo do outono

a noite dilata a viagem
pressentimos a nervosa luta dos corpos contra a velhice
mas nada há a fazer
resta-nos descer com as raízes do castanheiro
até onde se ramificam as primeiras águas e se refaz o desejo

as bocas erguem-se
procuram um rápido beijo no éter da casa


('O amor aumenta' de Al Berto in 'Trabalhos do Olhar')

25 julho, 2011

Enquanto um se esvai e outro se vem ninguém é de ninguém, ó solidão

Quando o mar se retira o que fica é apenas uma lâmina de água onde se reflectem as árvores, o céu, a vida.

Já não é o mar nem a vida, é apenas uma imagem reflectida, efémera. Logo, o sol secará esta fina lâmina de água e, dela, desaparecerão os reflexos das árvores, do céu, da vida.

Eu apenas quero a vida de verdade - se é que se consegue dizer, com precisão, o que é a vida de verdade - não a vida reflectida nas águas paradas porque o que se vê ali pode ser de grande beleza mas é uma vida virtual, enganosa, é a solidão absoluta, é a vida diluída, esvaída.

Por isso, olho a vida de frente, sem solidão, sem pudor. E sei, sembre soube, sempre saberei, que ninguém é de ninguém - e daí vem grande parte da minha força.

No Ginjal, perto do jardim, lâmina de água no chão

Em cada corpo a corpo se procura
o espírito das águas onde a alma
por vezes paira sobre a face obscura
e só depois do fim encontra a calma

essa calma tristíssima de quem
volta a si de repente e sabe então
que enquanto um se esvai e outro se vem
ninguém é de ninguém ó solidão.

Suprema solidão que vem depois
de findo o corpo a corpo sobre a cama
quando nunca se é um e sempre dois


e só um cigarro triste ainda é chama
e um último pudor puxa os lençóis
e a cinza cobre o amor que já não ama.
 
 
('Em cada corpo', de Manuel Alegre in Sete sonetos e um Quarto, belo livro com ilustrações de João Cutileiro)

24 julho, 2011

Mariza interpreta "Há Palavras Que Nos Beijam"

Momento grande. Uma das nossas grandes mulheres fadistas interpreta um poema de que muito gosto (dele retirei o subtítulo do meu outro blogue, o Um Jeito Manso) de Alexandre O'Neill.

Aqui no Palácio Nacional de Queluz.



Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte

(Letra de 'Há palavras que nos beijam' da autoria de Alexandre O'Neill)

22 julho, 2011

Eu sei que Deanie Loomis não existe mas entre as mais essa mulher caminha

Todos os dias caminhava rente ao pequeno jardim, rente à janela em que, sem te ver, sabia que me espreitavas.

Mas foi há tanto tempo que percorri essa linha que já não sei se não é apenas imaginação minha.

Foi há tanto tempo, eu era tão mais nova que não sei se quero que me vejas de novo. Haverá ainda em mim aquela que eu era, por ser assim para ti?

Não sei.

Mas gosto de pensar que me imaginas ainda a caminhar entre as mais, a caminhar para ti, como se em mim transportasse toda a primavera das nossas vidas.

Junto ao Tejo, mulher caminha na direcção de homem, que a espera


Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais


('Esplendor na Relva', belíssimo poema de Rui (ou Ruy) Belo  in O Bosque Sagrado)

E, então, abraçam-se, num apertado abraço, certamente abençoado pelo Tejo

António Zambujo interpreta Guia

De novo aqui trago o simpático António Zambujo, jovem talentoso, com muito charme e uma voz de mel (não me lembro se já aqui o referi mas faz-me lembrar Michael Bublé).

Podia dizer que é minha opinião de que 'vai longe' mas a minha profecia já chegaria atrasada: já foi longe e com muito mérito e mais ainda irá.


Atravessei o oceano
Sem o teu amor de guia
Só o tempo no meu bolso
E o vento que me seguia

Venci colinas de lágrimas
Desertos de água fria
Tempestades de lembranças
Mas tu já não me querias mais, mais
Tu já não me querias mais

Procurei a terra firme
Em cada onda que subia
O sol cegava meus olhos
Toda a noite eu te perdia

Lá dentro no pensamento
Virou tudo nostalgia
Água, sal e sofrimento
Porque tu não me querias mais
Tu não me querias mais

Já era Agosto, quando acordei na praia
E vi chegar a primavera, fiz nova cama de flores
Lembrei de todas as cores, cantei baixinho pra elas

Hoje falo em segredo, nessa paixão esquecida
Pra não acordar saudade, pra não despertar o medo,
Pois um amor de verdade, sonha pró resto da vida.
Mas tu já não me querias mais,
Tu já não me querias mais...
Tu já não me querias mais...

(Letra de Guia, da autoria de António Zambujal (?)

21 julho, 2011

Hoje disponho o mar ante os teus olhos, a tempestade, a crueza sistemática das coisas

Por aqui passeio contigo, meu amor.

 Sento-me a ver o rio, a cidade.

Perante ti vou dispondo as peças: a ponte, o farol, a barra lá ao fundo, depois as ruas, as casas, e, no rio, os navios, as velas nos veleiros, a melodia do vento.

Então tu, carinhoso, pegas nas minhas mãos e dizes-me que já percebeste, que já sabes que, para ti, construo cidades inventadas, rios sonhados.

Gosto que me dês a mão.

Dizes-me que vieste de longe até aqui, até a este jardim em que as dúvidas se dissiparam, um jardim em que a solidão e os insondáveis abismos se diluiram, rio abaixo.

Aqui, neste jardim, meu amor, as tuas mãos e as minhas mãos, afastam qualquer tempestade.


Do jardim do Ginjal, o Tejo, Lisboa e a Ponte avistados através da vegetação


Uma troca simples de mãos para que a melodia vingue
no andamento em que nos reconhecemos.
Uma fracção de tempo, um disparo
para que se entreteçam as pedras, os blocos de fogo.

Hoje disponho o mar ante os teus olhos, a tempestade,
a crueza sistemática das coisas, essa chuva que arde
neste efémero instante
que corta a costa, a barra, o farol.

De onde venho? Correspondo a que uivo
nesta solidão entre o abismo e coisa nenhuma? 


("Uma troca simples de mãos para que a melodia vingue" de Amadeu Batista in "366 poemas que falam de amor"

Maria Ana Bobone interpreta Nome de Mar

Uma bela presença, elegante e moderna, e uma voz cristalina mas encorpada, uma alma fadista, Maria Ana Bobone interpreta aqui um fado cuja letra é um inédito de Manuel Alegre com música de João Braga.


Infelizmenente não consegui descobrir o poema para aqui o poder divulgar.

19 julho, 2011

O rosto erecto dá a impressão de inclinado por certa graça esplendente de nobreza

Quando me recordas, como me recordas? Recordas-me como eu era antes de me ter descoberto perante ti? Recordas os véus que, um a um, foste retirando? Recordas a minha voz que ria para ti? Recordas a minha alma que, aos poucos, foste conhecendo? Como me recordas? Diz-me. Gostava de saber como me recordas.

Eu, de ti, my love, recordo mais, sabes o quê?, os teus lábios, os lábios que se esmagavam contra os meus, os teus lábios insuportavelmente felizes, my love.

Num final de dia, no Ginjal, junto às canas dos pescadores, casal sobre o Tejo, o Padrão das Descobertas logo ali

O rosto erecto
dá a impressão de inclinado
por certa graça esplendente
de nobreza

Rio lindo chama pura
aparição convergida
pelos astros espantosos
Deixas-me o corpo o teu corpo
e o desenho da tua alma
nas minhas mãos escultoras
Deixas-me a voz essa voz
que guarda vozes no fundo

Dos seus véus de maravilha
deixas-me véus maravilhas
a confiança na vida
E dois lábios esmagados
insuportáveis felizes


('Recordação' de Alberto de Lacerda in '366 poemas que falam de amor', antologia organizada por Vasco Graça Moura)

Lura interpreta "Flor di nha esperança"

Lura, a lisboeta de ascendência cabo-verdiana, tem alma crioula e uma maravilhosa voz repleta de calor e de sensuais requebros.

Sabe bem ouvi-la.



S'm sabia
Qu'gente novo ta morre
'M ca tava ama
Ninguem
ness munde

Ess morna
E sonho di nha esperanca
Qui ja confessa-me
Qu'ma bo amor
Era falso,o flor

Na dispidida
Bo tchora tcheu
'M magoa
'M tchora tambem


(Letra de 'Flor di nha esperança', autoria de Cesária Évora (?)

Quero-te, como se fosses a presa indiferente, a mais obscura das amantes

Gosto que me queiras assim, amante indiferente, presa obscura, falsa presa, incansável caçadora.

Gosto que recordes as minhas palavras - também o meu rosto, também o calor do meu corpo, também o meu perfume, também o meu olhar, também o meu sorriso, também o vento que às vezes dá na minha saia rodada, também as minhas mãos num terno afago - mas sobretudo as minhas palavras.

Gosto de pensar que, às vezes, fechas os olhos e, decidido a esquecer-me, recordas, uma por uma, todas as minhas palavras, palavras às vezes decididas, outras vezes incertas como a rosa soprada pela aragem que vem do rio, palavras que te despem, palavras que me despem, palavras que me expõem, nua perante ti.

Palavras de amor para usares sobre a tua pele. Ou sob a tua pele, como queiras.

Dias felizes: casal namora junto ao Tejo, no Farol de Cacilhas, o Terreiro do Paço logo ali, o Castelo de S. Jorge no alto da colina

Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.

('Poema de amor para uso tópico' de Nuno Júdice in Poesia Reunida)

Gonçalo Salgueiro interpreta "Amor d'uma só hora"

Um certo ar de príncipe renascentista, mal dormido e bastante sofrido, Gonçalo Salgueiro é muito justamente uma das novas vozes do fado, uma das vozes que perpetua o fado tradicional, o fado português no seu melhor.

A sua voz límpida e elegante, toca as cordas dos corações sensíveis e isto é bem o fado das noites sem sono de Lisboa.

O Fado será, um dia, património da Humanidade e Gonçalo Salgueiro será, sem dúvida, uma das vozes que o honrarão mundo fora.


Descalço corro as ruas noite fora
Caminhando, caminhando sem parar
Onde estas ó meu amor d´uma só hora
 Onde estás meu amor, para te abraçar

Esta dor que corre em mim cada segundo
Só pede á terra ao céu o teu abraço
Nada sou, nada mais tenho neste mundo
Meu amor, sem teu amor, sem teu regaço
 
Grito ao vento pelo teu nome em solidão
Chora a noite nosso amor eternamente
Brotam lágrimas das pedras plo chão
Onde estás meu grande amor, amor ausente
 
Não te alcanço, não me encontro, desespero
Vou voltar á liberdade indesejada
Preso ao mundo onde apenas por ti espero

Sem amor, sem teu nome, sem ter nada
 


(Letra de 'Amor d'uma hora só' da autoria de Gonçalo Salgueiro)

13 julho, 2011

A noite é breve e sôfrega. Veloz e esquiva a luz enlaça a luz.

É de noite que eu vivo melhor.

Espero que a noite sorva o dia para me sentir pronta.

É de noite, no silêncio da noite, ou nos sons da noite, que a vida, para mim, ganha nova vida.

O sono - é bem verdade - furta-me o tempo.

É de dia que os sonhos são melhores mas é de noite que melhor os concretizo (ou que concretizo os melhores) - acordada.

A noite guarda, dentro de si, a manhã, o dia seguinte. Mas é breve, a noite, é sôfrega.

Ginjal e o Tejo e Lisboa - entre a noite e o dia

A noite é breve e sôfrega.
Veloz e esquiva a luz enlaça a luz:
do tardio crepúsculo
vai emergindo a precoce manhã,
e o sono furta-nos o tempo
ou rapta-nos e afoga-nos com ele,
a abreviá-lo ou sumi-lo ou devorá-lo
onde não se tem um sonho para achá-lo.

(Poema XXXV de José Bento in Sítios)

11 julho, 2011

Há um tempo para estar só, há um tempo para estar nu

Tantas vezes, aqui neste mesmo sítio, digo que vou abrir os braços e voar, tantas vezes.

Não que esteja só, não que me sinta nua, não que me faltem as pontes. Não. Nada me falta.

Apenas me apetece sentir o ar fresco das alturas, sentir que não há chão, nem pontes que me prendam, sentir que posso ir até onde a vontade de me levar.

Depois mergulhar nas águas frescas do rio.

E só, então, depois, voltar aos caminhos normais da vida.

Há pouco, no Ginjal, homem aspira a maresia que vem do Tejo, Lisboa ali tão perto

Há um tempo para estar só
há um tempo para estar nu
há um tempo que falta para ser
o bastante uma coisa e outra
há uma ponte em direcção ao tu

que é necessário atravessar e que
é necessário, coragem, minar
e há um ponto sem chão
nem ponte em que só é preciso
abrir os braços e voar


(Belíssimo poema de Rui Caeiro in 'O quarto azul e outros poemas')

Homem, com coragem, abre os braços e voa

(avistado do Ginjal, sobre o Tejo, junto à Ponte)

José Mário Branco interpreta Queixa das Almas Jovens Censuradas

Grande Natália. Uma mulher apaixonada, vibrante, de quem jorravam palavras de luta, palavras de grande lirismo, palavras transbordantes de sensualidade, uma mulher cuja vida se transfigurava em palavras.

Aqui temos uma poesia musicada e interpretada por José Mário Branco. A arte é intemporal.


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.


(Letra de 'Queixa das almas jovens censuradas' de Natália Correia)

Quantas pessoas caminham na minha direcção? Quantas me descobrem por entre a multidão?

Caminho por esta rua e comigo caminham as minhas palavras, a minha sombra, as minhas sombras. Junto a mim outras pessoas caminham e não as conheço e não me conhecem. Outras cruzam-se comigo e não me vêem.

Contudo, por vezes, as minhas palavras, mais rápidas que eu, voam sobre o rio e chegam até quem as sabe ler, as sabe ouvir.

Quando regressam, vêm felizes, as minhas palavras. Alguém as sussurrou baixinho, as beijou, as tomou por entre as mãos.

É isso que elas me contam quando regressam contentes - e com elas vem alguém até mim, alguém cuja sombra caminha junto à minha, os dois na mesma direcção.

No Ginjal, dois homens e um rapaz cruzam-se comigo e seguem a sua direcção, em direcção ao sol que se põe sobre o Tejo

Quantas pessoas caminham na
minha direcção? Quantas me
descobrem por entre a multidão
e pousam os seus olhos inteiros
nos meus olhos? Podia acreditar

que entre elas está o homem que
trocaria comigo os dedos sobre a
mesa, uma palavra que fosse gomo
de laranja e poema, o corpo aceso

sob o lençol cansado de mais um
dia. Mas quantos destes rostos de
pedra que me cercam escondem o
seu pelas ruas desta tarde? Quantos
nomes de acaso e de silêncio terei
eu de escutar para descobrir o seu

no meu ouvido? Quantas pessoas
caminham contra mim?

 (Poema de Maria do Rosário Pedreira in 'Nenhum Nome Depois'

10 julho, 2011

Lena d'Água, Carlos Guilherme e António Manuel Ribeiro interpretam 'Morte que mataste lira'

Uma canção que gosto do fundo do coração e que, muitas vezes, me vem à ideia. É da autoria e foi inesquecivelmente interpretada pelo saudoso Adriano Correia de Oliveira. Aqui é interpretada com carinho por um trio improvável: Carlos Guilherme (cantor lírico), António Manuel Ribeiro (UHF) e Lena 'água.



Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Morte que mataste Lira,
Mata-me a mim, que sou teu!
Morte que mataste lira
Mata-me a mim que sou teu
Mata-me com os mesmos ferros
Com que a lira morreu

A lira por ser ingrata
Tiranicamente morreu
A morte a mim não me mata
Firme e constante sou eu
Veio um pastor lá da serra
À minha porta bateu
Veio me dar por notícia
Que a minha lira morreu

(Letra de 'Morte que mataste lira' ou mais simplesmente 'Lira' de Adriano Correia de Oliveira)

09 julho, 2011

Saíu, armada até aos dentes de formidável amor, a guerreira

Pensamos que é uma coisa e sai de lá outra. Mas procuramos com cuidado e, afinal, de dentro dessa outra coisa, sai de lá outra coisa que já não é bem aquilo que pensávamos. Mas não desistimos e procuramos melhor e, de dentro da coisa que já era menor do que inicialmnete pensávamos, acaba por sair uma coisinha. E quando queremos tentar descobrir ainda alguma coisa, a coisinha desapareceu.

Às vezes, em raros momentos de sorte, de entre as várias camadas de casca, acaba por aparecer uma pérola. Na maior parte dos casos sai uma ostra. Menos mal (adoro ostras). Mas outras vezes, nem isso, dentro da casca não há mesmo nada.

Através do vidro, na estação de embarque de Cacilhas, junto ao Ginjal, o Tejo já ali, mulher aparentemente contente com o que está a ver

quando do cavalo de tróia saiu outro
cavalo de tróia e deste um outro
e destoutro um quarto cavalinho de
tróia tu pensaste que da barriguinha
do último já nada podia sair
e que tudo aquilo era como uma parábola
que algum brejeiro estivesse a contar-te
pois foi quando pegaste nessa espécie
de gato de tróia que do cavalo maior
saiu armada até aos dentes de formidável amor
a guerreira a que já trazia dentro em si
os quatro cavalões do vosso apocalipse


(Fantástica 'A traição' de Alexandre O'Neill in 'Tomai lá do O'Neill!')

Língua de fora, a marota!  Um gesto mesmo à O'Neill: 'Toma!'

Toranja interpretam a Canção de Engate

Gosto desta canção, é franca e decadente. Tem uma bela música, que fica. Preferia vê-la pelo António Variações mas não encontrei com vídeo, apenas com fotografias. Como gosto do Tiago Bettencourt, coloquei-o aqui, quando ainda estava integrado nos Toranja.


Tu estás livre e eu estou livre
E há uma noite para passar
Porque não vamos unidos
Porque não vamos ficar
Na aventura dos sentidos

Tu estás só e eu mais só estou
Que tu tens o meu olhar
Tens a minha mão aberta
À espera de se fechar
Nessa tua mão deserta
Vem que o amor
Não é o tempo
Nem é o tempo
Que o faz
Vem que o amor
É o momento
Em que eu me dou
Em que te dás
Tu que buscas companhia
E eu que busco quem quiser
Ser o fim desta energia
Ser um corpo de prazer
Ser o fim de mais um dia

Tu continuas à espera
Do melhor que já não vem
E a esperança foi encontrada
Antes de ti por alguém
E eu sou melhor que nada

(Letra de 'Canção do engate' de António Variações)

07 julho, 2011

Ainda terás nome? Esse que te dei, chama ou asa, ainda te pertence?

Não sei de ti, não te ouço, não me chegam as tuas palavras, não sinto a tua respiração.

Se te quiser chamar, por que nome chamo? Ainda te lembrarás do nome que te dei? Por que não me dizes nada?

Estou aqui, à beira mar, ao sol, à tua espera e tu não vens.

Mas aqui ficarei, acompanhando as marés, aguentando os ventos, e rasgarei os mares, e chamar-te-ei até que venhas.

Vem.

No jardim do Ginjal, mesmo em cima do Tejo, homem medita, saudoso

Ainda terás nome?
Esse que te dei, chama
ou asa, ainda te pertence?

Se tens ainda nome
por que não respondes?, por que não
te aproximas para respirar

comigo o mesmo sol, o mesmo riso?
Também a transparência,
claro rumor de tílias, morre

quando se morre?,
ou só morre a espessura dos dias,
o peso do ar?

Com as mãos, com os olhos, seja
com o que for, dentes ou sílabas,
escavarei o chão até romper

a água - para sempre acesa.


('Quase elegia' de Eugénio de Andrade in Os lugares do lume)

Os Deolinda interpretam Eu tenho um melro

Esta é das canções dos Deolindas, uma das que mais gosto. Tem graça, tem malícia e fica no ouvido.



Eu tenho um melro
que é um achado.
De dia dorme,
à noite come
e canta o fado.

E, lá no prédio,
ouvem cantar...
E já desconfiam
que escondo alguém
para não mostrar.

Eu tenho um melro,
lá no meu quarto.
Não anda à solta,
porque, se ele voa,
cai sobre os gatos.

Cortei-lhe as asas
para não voar.
E ele faz das penas
lindos poemas
para me embalar.

Melro, melrinho,
e se acaso alguém te agarrar,
diz que não andas sozinho
que és esperado no teu lar.

Melro, melrinho
e se, por acaso, alguém te prender,
não cantes mais o fadinho,
não me queiras ver sofrer.

E não voltes mais,
que estas janelas não as abro nunca mais.

Eu tenho um melro
que é um prodígio.
Não faz a barba,
não faz a cama,
descuida o ninho...

Mas canta o fado
como ninguém.
Até me gabo
que tenho um melro
que ninguém tem.

Eu tenho um melro...
(-Que é um homem!)
Não é um homem...
(-E quem há-de ser?!)
É das canoras aves
aquela que mais me quer.

(-Deve ser homem!)
Ah, pois que não!
(Então mulher?)
Há de lá ser!?
É só um melro
com quem dá gosto adormecer.

Melro, melrinho...[refrão]

E não voltes mais,
que a tua gaiola serve a outros animais.


(Letra de 'Eu tenho um melro', de Pedro da Silva Martins dos Deolinda)

06 julho, 2011

A própria luz não ajudava: não era barco de manhã nem brisa ao fim da tarde

Ao fim do dia, veleiro no Tejo


Estou aqui a apanhar os últimos raios deste sol quente de verão, junto ao rio.

Um veleiro passa, vindo dos lados do oceano. É quase transparente, não sei se não saíu da minha imaginação.

Dele sai um pássaro que voa na minha direcção.
Pousa no chão perto de mim, ao sol, aquece-se e, devagar, vem na minha direcção. E eu ando na direcção dele. Não voa, olha-me e deixa-se ficar, eu ando e ele junto a mim. Não me estranha, tal como eu não o estranho.

Depois de sobrevoar o Tejo, pousa ao sol, e vem na minha direcção, sem me estranhar

Depois, quando me vou embora, ele levanta voo, confortado pelo sol, atravessa o rio, penso que se junta ao veleiro transparente, irá talvez para os mares do sul.

Mas tomara que volte amanhã.

Há pouco no Ginjal, Lisboa dourada do outro lado, pássaro levanta voo e sobrevoa o Tejo

Talvez nem seja um tordo. Um pásaro
cantava. Seria o último
desse verão. A própria luz

não ajudava: não era barco
de manhã nem brisa ao fim da tarde.
Talvez o anjo do poema

pudesse em seu lugar subir aos ramos
e cantar. Mas os anjos
são tão distraídos! Deles não há

nada a esperar, a não ser o fogo
de palha. Talvez nem seja um tordo.
O seu canto, só vibração no ar.
('Fim de verão' de Eugénio de Andrade in Os lugares do lume)

Teresa Salgueiro, nos Madredeus, interpreta Haja o Que Houver

Teresa Salgueiro, a diva de voz cristalina, aqui ainda integrada nos Madredeus, interpreta uma das belas canções de amor portuguesas.

Vamos ouvir em silêncio, está bem?



Haja o que houver
Eu estou aqui
Haja o que houver
espero por ti

Volta no vento ô meu amor
Volta depressa por favor
Há quanto tempo, já esqueci
Porque fiquei, longe de ti
Cada momento é pior
Volta no vento por favor...

Eu sei quem és
pra mim
Haja, o que houver
espero por ti...

Há quanto tempo, já esqueci
Porque fiquei, longe de ti
Cada momento é pior
Volta no vento por favor
Eu sei quem és
pra mim
Haja, o que houver
espero por ti...


(Letra de 'Haja o que houver', composição de Pedro Ayres Magalhães)

05 julho, 2011

Há o teu rosto dentro do teu rosto: único e múltiplo

Um amor só acontece quando coincidem as felizes circunstâncias da disponibilidade mútua, da vontade mútua. Quantos amores não falham só porque o destino falha o momento.

Pode acontecer quando alguém vem de muito longe? Quando alguém que não se conhece fala como se fosse conhecido desde sempre? Quando o jardim de um parece o jardim inventado por outro? Quando o sonho de um parece a história do outro? Será que se conheciam antes do princípio do mundo?

Não sabemos, tal como não conhecemos as mãos, os rostos, tal como não sabemos nada.

Hoje, ao fim do dia, no Ginjal, casal namora sobre o Tejo, de frente para Lisboa, um pilar da Ponte já ali, imponente

Há o teu rosto dentro do teu rosto: único e múltiplo.
As tuas mãos de outrora nas tuas mãos de agora
há o primeiro amor que é sempre o último
antes do tempo ou só depois da hora.


E vinhas de tão longe. E era tão fundo.
Eu conheço-te. E era por mim. E era por ti. E era por dois.
E havia na tua voz o princípio do mundo.
E era antes da Terra. E era depois.


('Poema do eterno retorno' de Manuel Alegre in Livro do Português Errante)

Pedro Abrunhosa interpreta 'Deixas em mim tanto de ti'

Gosto muito do Pedro Abrunhosa, tem uma voz encorpada, quente, e as suas composições são, muitas vezes, de um lirismo tocante.

Esta canção é uma delas. (O vídeo tem umas legendas irritantes mas poderão sempre deixá-la a tocar e deslizar até ao poema acima, fazem boa companhia um ao outro)



A noite não tem braços
Que te impeçam de partir,
Nas sombras do meu quarto
Há mil sonhos por cumprir.

Não sei quanto tempo fomos,
Nem sei se te trago em mim,
Sei do vento onde te invento, assim.
Não sei se é luz da manhã,
Nem sei o que resta em nós,
Sei das ruas que corremos sós,
Porque tu,

Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.

A estrada ainda é longa,
Cem quilómetros de chão,
Quando a espera não tem fim,
Há distâncias sem perdão.

Não sei quanto tempo fomos,
Nem sei se te trago em mim,
Sei do vento onde te invento, assim.
Não sei se é luz da manhã,
Nem sei o que resta em nós,
Sei das ruas que corremos sós,
Porque tu,

Deixas em mim
Tanto de ti,
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.

Navegas escondida,
Perdes nas mãos o meu corpo,
Beijas-me um sopro de vida,
Como um barco abraça o porto.

Porque tu,
Deixas em mim
Tanto de ti, 2x
Matam-me os dias,
As mãos vazias de ti.


(Letra de 'Deixas em mim tanto de ti', composição de pedro Abrunhosa)

Nada entre nós tem o nome da pressa, conhecemo-nos assim, devagar

Já nos conhecemos? Ainda somos desconhecidos?

Não sei, mas penso que não temos pressa, os labirintos da vida trouxeram-nos até aqui, ao lugar das palavras.

Gostava de poder dizer que às vezes nos sentamos neste banco, devagar, a olhar os mesmos barcos, o mesmo rio, o tempo que se vai desenhando assim, desfasado. Mas não é verdade, pois não? Isso não temos.

Mas deixa, aproveitemos o que a vida nos deu. Palavras. Um imenso mar de palavras. Esperemos que palavras sempre sem mácula, sem enganos.

 
Há pouco, ao cair do dia, depois de um dia de afazeres, casal senta-se num banco junto aos barcos, de frente para o Tejo, e os dois aconchegam-se um no outro, de frente para Lisboa

Nada entre nós tem o nome da pressa.
Conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado
traçou os seus próprios labirintos. Sobre a pele
é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. Porém,

se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas -
o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,
um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra
que nunca escreveremos. Entre nós

o tempo desenha-se assim, devagar.

Daríamos sempre pelo mais pequeno engano.


(Poema de Maria do Rosário Pedreira in 'A Casa e o cheiro dos Livros' um belo livro com um belo nome)

04 julho, 2011

Lula Pena e Hayden Chisholm interpretam Namoro e Troca de Olhares

Lula Pena é uma pessoa diferente, tem uma forma diferente e sentida de interpretar. Aqui conjuga duas canções, o Namoro de Sérgio Godinho e a Troca de Olhares de Amália.

Silêncio: vai cantar-se o fado. Mas um fado muito especial.



Mandei-lhe uma carta
em papel perfumado
e com letra bonita
dizia ela tinha
um sorriso luminoso
tão triste e gaiato
como o sol de Novembro
brincando de artista
nas acácias floridas
na fímbria do mar

Sua pele macia
era suma-uma
sua pele macias
cheirando a rosas
seus seios laranja
laranja do Loge
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não

Mandei-lhe um cartão
que o amigo maninho tipografou
'por ti sofre o meu coração'
num canto 'sim'
noutro canto 'não'
e ela o canto do 'não'
dobrou

Mandei-lhe um recado
pela Zefa do sete
pedindo e rogando
de joelhos no chão
pela Sra do Cabo,
pela Sta Efigénia
me desse a ventura
do seu namoro
e ela disse que não

Mandei à Vó Xica,
quimbanda de fama
a areia da marca
que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço
bem forte e seguro
e dele nascesse
um amor como o meu
e o feitiço falhou

Andei barbado,
sujo e descalço
como um monangamba
procuraram por mim
não viu ai não viu ai
não viu Benjamim
e perdido me deram
no morro da Samba

Para me distrair
levaram-me ao baile
do Sr. Januário,
mas ela lá estava
num canto a rir,
contando o meu caso
às moças mais lindas
do bairro operário

Tocaram a rumba
e dancei com ela
e num passo maluco
voamos na sala
qual uma estrela
riscando o céu
e a malta gritou
'Aí Benjamim'

Olhei-a nos olhos
sorriu para mim
pedi-lhe um beijo
lá lá lá lá lá
lá lá lá lá lá
E ela disse que sim


(Letra de 'Namoro', composição de Sérgio Godinho)


Os olhares que te deito
Desde a hora em que te vi
São as falas do meu peito
Que morre de amor por ti!

Quantos olhares são trocados
Em segredos envolvidos!
Sinais mudos, bem falados,
Por quem são compreendidos!

Não é preciso falar
Havendo combinações
Porque a troca do olhar
É a voz dos corações!


(Letra de 'Troca de olhares' de Amália Rodrigues)

03 julho, 2011

A tarde estava errada, não era dali, era de outro domingo

Este jardim, nesta margem, está aqui há tanto tempo. Junto a este pequeno jardim, corre este rio, aqui quase oceano, que passa por esta mulher que por aqui contempla a outra cidade como se contemplasse o outro lado do mundo. O rio segue, entra no oceano que banha o país, vai pelos mares, levando um pouco dela até tão longe.

Este jardim existia antes dessa mulher, antes dessa mulher saber da existência de uma outra pessoa, antes que as silenciosas palavras dessa pessoa acompanhassem os passos dessa mulher nesse jardim.

Passa um pequeno barco. Em pensamento essa mulher segue nesse barco esperando que o seu destino encontre o seu verdadeiro porto.  No entanto, é aqui, neste jardim, que a mulher fica, aguardando que um dia, um barco, lhe traga a pessoa ausente.

Pequeno barco no Tejo, quase uma alusão, avistado a partir do jardim do Ginjal

A tarde estava errada,
não era dali, era de outro Domingo,
quando ainda não tinhas acontecido,
e apenas eras uma memória parada
sonhando (no meu sonho) comigo.

E eu, como um estranho, passava
no jardim fora de mim
como alguém de quem alguém se lembrava
vagamente (talvez tu),
num tempo alheio e impresente.

Tudo estava no seu lugar
(o teu lugar), excepto a tua existência,
que te aguardava ainda, no limiar
de uma súbita ausência,
principalmente de sentido.

(Belíssimo, inquientante poema, 'Primeiro domingo' de Manuel António Pina in 'Poesia, saudade da prosa')

Sara Tavares interpreta Bom feeling

Um bom feeling para todos, com esta letra e música de Sara Tavares.

Hoje é domingo e, se fazem favor, partilhem comigo esta boa onda.


Yeah, yeah,yeah
Yeah,yeah, yeah(2x)
Bom feeling...
Yeah, yeah, yeah...
Bom feeling...
Yeah, yeah, yeah...
Bom feeling...
Deixa a janela do sorriso aberta,
Coisa boa, boa,
Coisa desperta,
Canta caia, caia nos liberta
Caia, Caia
Deixa a janela do sorriso aberta,
Coisa boa, boa,
Coisa desperta,
Canta caia, caia nos liberta.
Dá-me um...
Bom feeling...
Bom feeling...
Yeah, yeah, Yeah
Bom feeling...
Bom feeling...
Yeah, yeah, Yeah
Deixa de complicação,
Deixa de confusão,
Liberta a alma dessa prisão,
Deixa-te guiar pelo coração.
Deixa de complicação
Deixa de confusão
Liberta a alma dessa prisão
Deixa-te guiar pelo coração.
Dá-me um...
Bom feeling...
Yeah, yeah, Yeah
Yeah, yeah, Yeah
- Esse coração assim desagasalhado, vais sair assim?
- O sorriso aonde é que está?
- 'Tás a pensar que vais aonde assim?
- Tens mesmo é que buscar, buscar, buscar, ir fundo, ri só, ri só!
Dá-me um bom feeling dentro de ti,
Que eu dou-te um bom feeling dentro de mim,
Bom feeling para voar,
Bom feeling para motivar!
Bom feeling dentro de ti,
Que eu dou-te um bom feeling dentro de mim,
Bom feeling para levar,
Bom feeling para nos fazer sorrir!
Bom feeling...
Bom feeling para cantar!
Bom feeling para curtir!
Bom feeling para dançar!
Bom feeling para nos fazer sorrir!
Bom feeling...
- Queres feeling, feeling, feeling?
- Bom feeling cor-de-rosa, amarelo, azul, branco, de todas as cores...
- Quantos é que queres? Rebuçados, doces?
- Olhem o meu bom feeling, olhem o meu bom feeling!
- Bom feeling é a cor do amor, é a cor da paz...
- É só abrir um sorriso, é só deixar passar.
- Fui, com o vento!

(Letra de 'Bom feeling', composição de Sara Tavares)